"Padre, num momento de dor pela enfermidade do meu pai pessoas de outra confissão religiosa me disseram que era provação de Deus. Eu agora estou com medo de Deus. Ele realmente prova a gente?"
A compreensão de Deus foi um processo contínuo na Teologia Bíblica. Gradativamente, o povo de Israel, o povo da Aliança, foi se dando conta da VERDADEIRA imagem de Deus. Ao longo dos séculos, Ele foi invocado como comandante de um exército poderoso (cf. Is 37, 16ss), um deus vingativo, ciumento e dado a castigar os pais nos filhos (cf. Ez 18, 2ss). A relação com Deus foi, não poucas vezes, baseada no receio de ser castigado por um Ele cuja mão forte e braço estendido libertaram o povo das mãos opressoras do faraó (cf. Ex 3, 1-22; Js 6, 1-27; Jr 52, 3ss; Os 14, 2-10; Nm 21, 1ss).
Em Jesus, todavia, essa imagem foi sendo corrigida. Deus não era alguém distante, nas abóbodas dos céus, indiferente a tudo e a todos. Ele era próximo de cada homem - de todo homem - e suas entranhas não suportavam o ódio e a vingança; antes, eram dadas à misericórdia e à compaixão para com todos (cf. Cl 3, 12). Deus, segundo Jesus Cristo, não estava mais circunscrito ao Templo nem aos ditames da religião (cf. Lc 15, 1-32; Jo 10, 1ss; Mt 5, 2ss; Mt 25, 1-46; Mc 2, 4ss). Ele se pôs junto do povo; no meio do povo.
Com sua pregação e seu modo de agir, Jesus "arrancou" Deus das mãos dos poderosos (cf. Mt 23, 13) e O tornou acessível aos pequenos; aqueles que, inclusive, eram considerados como castigados por Deus: os leprosos, os doentes, os pobres, os pecadores, os publicanos, as prostitutas, os pastores, o estrangeiro, os pagãos e toda sorte de gente má afamada. Quando os judeus religiosos olhavam para esses "infelizes", pensavam: "se até Deus os rejeitou, nós também podemos rejeitá-los" (cf. Mt 9, 11).
Desse modo, a religião mantinha as pessoas sob a “canga da opressão” e apresentava um deus castigador: um ser equidistante da humanidade e que rejeitava, oprimia, subjugava e relegava os pecadores à própria sorte. Essa imagem de Deus não correspondia em nada com aquela anunciada por Jesus durante todo o seu ministério.
Como Messias, o Cristo veio corrigir e apresentar a Verdadeira face de Deus: um Deus misericordioso. E isso significa precisamente um Deus que salva. Sendo o rosto dessa misericórdia - vultus misericordiae -, Jesus ousou apresentá-Lo não apenas como criador ou senhor, mas especialmente como Pai; mas não qualquer pai e, sim, um Pai perdoador, lento para a cólera, intenso nas manifestações de carinho e cheio de compaixão e ternura (cf. Lc 15, 11-32). Um Deus-Pai benevolente, frágil e fragilizado por sua capacidade ilimitada de amar - afinal, o amor nos torna vulneráveis - (cf. Jo 19, 5ss). Ele sofre com os que sofrem e sorri com os que se alegram. Morre com os que morrem e ressuscita-os para a Sua vida verdadeira – Zoe -.
Jesus descortinou em definitivo a Verdadeira missão do Pai: criar por que ama. Deus não pode nos amar mais. O Seu amor é sem limites e vai até às últimas consequências. Na força do Seu Espírito, fomos filializados: a criatura tornou-se filha no Filho. Em outras palavras, Jesus desvelou esse rosto escondido de Deus antes ocultado por todo tipo de indiferença e preconceito religiosos (cf. Jo 3, 13). E isso diz da missão do Filho: Ele veio nos salvar e salvar quer dizer Revelar: a Pessoa e o amor do Pai. Desde então, nem santos nem doutores, nem doutrinas nem religiões teriam mais "a posse de Deus". Afinal, Ele é o único ab-soluto, isto é, o Todo Livre. E, livremente, tomou a iniciativa de nos amar e de não excluir ninguém desse Seu amor salvador (cf. Gl 3, 28ss).
Portanto, Deus não pode provar, tentar, castigar nem tampouco condenar quem quer que seja. Não é da Sua alçada privar a criatura da beatitude da vida. Ele não saberia fazê-lo. O Seu poder – Todo-Poderoso - diz tão somente do Seu amor. Esse é o Poder de Deus: o amor! E tal amor-misericórdia não é contrário à Sua justiça. Pois, a justiça de Deus é corrigir e conduzir ao bom caminho aquele que errou. Tais atitudes divinas, porém, não depõem contra a Sua vontade altaneira de agir de modo a sarar, cuidar e promover a vida e a salvação plena do Ser Humano (cf. Jo 10, 10; Is 41, 14ss).
Logo, qualquer Teologia que fuja desse pressuposto benevolente de Deus não é autêntica e, portanto, não nos serve, pois falta com a Verdade (Gl 1,1-2.6-10; Jo 8, 32). E só a Verdade liberta o coração humano dos seus grilhões. Todavia, acreditar nisso ou naquilo não será tarefa fácil, pois requer conscientizar a consciência e libertar a liberdade (cf. Gl 5,1). A consciência dói e nem todos querem ser de fato livres. Mas de uma coisa não podemos nos esquecer: de que há uma consequência intrínseca em toda crença: a imagem que eu cultuo de Deus dentro de mim irá reverberar nos meus relacionamentos interpessoais.
Oxalá, tenhamos a coragem de vê-Lo tal como Ele é: Santo e Irrepreensível no amor, pois assim, quem sabe, seremos um tanto mais misericordiosos no anúncio que dEle fizermos a outrem, sobretudo no respeito às suas dores, sem a lástima de aumentar ainda mais o peso sobre os ombros de quem já segue cambaleante pela vida (cf. Mt 11, 28).
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