O Baska é Preto: memória, expressão e resistência no centro de São Paulo
No Dia da Consciência Negra, a Galeria Olido, no coração de São Paulo, tornou-se palco de história, expressão e identidade, na celebração de um legado que atravessa séculos
No Dia da Consciência Negra, nesta quinta-feira (20/11), a Galeria Olido, no coração de São Paulo, tornou-se palco de história, expressão e identidade. Em meio ao movimento do Largo do Paissandu, o evento O Baska é Preto reuniu atletas, autoridades, artistas, público e representantes da Liga Nacional de Basquete para celebrar um legado que atravessa séculos, o da presença negra no basquete e na cultura esportiva mundial. Mais do que uma programação, o encontro foi um manifesto: o reconhecimento de que o basquete nasceu, cresceu e se reinventou sob a influência direta da criatividade e da resistência dos negros.
Durante o evento, o público pôde acompanhar uma exposição fotográfica, trazendo imagens que conectavam passado e presente, ancestralidade e movimento. A performance da Cia. Aquadrela, intensa e simbólica, abriu caminho para um dos momentos mais tocantes do dia. A homenagem ao jovem Levi Edson Corrêa Costa, de 17 anos, que perdeu a vida ao ser atingido pela estrutura de uma cesta de basquete no Itaim Paulista. Ao som de “Vida Loka Pt. 2” interpretado no saxofone, a sala foi tomada por um silêncio profundo e coletivo, um luto compartilhado que ressignificou o espaço.
Em seguida, Rafael Rocha Garcia, coordenador de ESG da LNB, conduziu o público por uma verdadeira viagem no tempo, costurando história, memória e pertencimento ao relembrar a influência decisiva das pessoas negras na construção do basquete. Um gesto que ampliou o sentido do evento e reafirmou sua potência transformadora. Por fim, foi lançado o vídeo oficial do Baska é Preto, uma produção que uniu corpo e narrativa, ritmo e denúncia, beleza e verdade, sintetizando a essência da campanha.
"O que aconteceu hoje foi a soma de alguns pequenos esforços que estamos fazendo desde a primeira reunião do tratado. A Liga vem regando, vem consolidando esse movimento. E hoje conseguimos dar um passo muito importante ao conectar o basquete com a cultura de onde ele nasceu. Isso fortalece muito os próximos passos e os horizontes onde o basquete pode chegar. E principalmente fortalecer o basquete nacional como um esporte antirracista aqui no Brasil", afirmou Rafael Rocha Garcia. "É o meu desejo, mas passa por uma estratégia da Liga de levar o basquete para mais pessoas. Temos formas de construir esse processo e essa é uma das formas. O mais importante é que, quando de alguma maneira essa mensagem chega, são sementes que podem ser geminadas e o produto dessa reunião aqui pode ser intangível para o basquete brasileiro", completou.
"Parabéns à Liga pelo evento, parabéns ao Rafa também, que resumiu a história inteira, desde o nascimento do hip-hop, do nascimento do basquete, coisas muito importantes que eu sempre bati na tecla, que é a importância dos Harlem Globetrotters, a importância do basquete de rua, essa influência preta dentro das ligas profissionais, tanto da NBA como do NBB, então, foi sensacional", elogiou o YouTuber DPC. "Isso aqui expandiu a mente de várias pessoas, eu queria que tivesse mais gente aqui, muito mais gente que realmente precisa ouvir. Às vezes, o povo preto não sabe da nossa própria história. Mas tem de chegar em todo mundo, como um todo, para entender toda essa luta para evoluir."
Uma história que começou na exclusão
O evento se apoia numa linha histórica fundamental. Para entender por que o basquete é preto, é preciso voltar às Leis Jim Crow, conjunto de normas segregacionistas que, nos Estados Unidos pós-abolição, separavam negros e brancos em todos os espaços sociais. Foi nesse cenário de violência institucional, exclusão política e opressão cotidiana que, paradoxalmente, o basquete encontrou terreno fértil para se transformar em ferramenta de emancipação.
Proibidos das ligas oficiais, atletas negros criaram suas próprias estruturas, os Black Fives, entre 1904 e 1950. Eram times formados em clubes comunitários, igrejas e escolas negras, sustentados pelo esforço coletivo. Ali nasceram um jeito próprio de jogar, um ritmo moldado por músicas e corpos negros e uma organização que dialogava com cidadania, dignidade e educação.
A figura de Edwin Bancroft Henderson, conhecido como o “avô do basquete negro”, marcou esse início: ele viu no esporte uma arma contra estereótipos. Já Will Anthony Madden, o “rei do basquete negro”, entendeu que o jogo podia ser espetáculo, juntou basquete, jazz, dança e comunidade, criando a experiência que hoje inspira a NBA moderna.
Do Harlem para o mundo
Os Harlem Rens, fundados em 1923, e os Harlem Globetrotters, criados em 1926, foram símbolos máximos dessa resistência. Viajaram o país desafiando o racismo dentro e fora das quadras, conquistando vitórias sobre equipes campeãs brancas e abrindo uma ferida irreversível na lógica da segregação. Em 1939, quando os Rens ganharam o World Professional Basketball Tournament, não foi apenas um título, foi uma afirmação histórica de excelência negra.
Dos anos 1970 em diante, nomes como Dr. J, Magic Johnson e Michael Jordan transformaram o esporte em cultura global. Nos anos 1990, o encontro entre basquete e hip-hop consagrou uma identidade: roupas, ritmos, grafite, atitude, voz.
Baska é Preto... E sempre foi
O evento realizado na Galeria Olido é, portanto, mais que uma celebração. É um reconhecimento histórico. O basquete nasceu atravessado pela dor da exclusão, mas floresceu pelas mãos de quem sempre resistiu.
O BasKa é Preto porque é ritmo, corpo e reinvenção.
Porque transforma trauma em potência.
Porque faz da quadra um palco e da bola uma voz.
A programação desta quinta-feira (20/11), da exposição à performance, da presença de atletas à construção coletiva do espaço, é parte desse movimento. É a Liga Nacional de Basquete se comprometendo a honrar um legado que moldou o esporte global e que continua inspirando gerações.
O basquete carrega no DNA o swing do jazz, a ginga da rua, o flow do hip-hop, a memória dos Black Fives, a força dos Rens, o espetáculo dos Globetrotters. Carrega sobretudo a energia criadora do povo negro, responsável por transformar o jogo em cultura, estética e história. Por isso, e porque a verdade precisa ser dita com todas as letras, o Baska é Preto. Sempre foi. Sempre será.








Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.